Se você avistar esta impressionante concha na praia, nem pense em pegá-la

Ostras, lapas, caracóis; um colecionador de conchas já conhece todos esses moluscos. No entanto, esta colorida espécie é uma verdadeira surpresa. Salpicada de tons alaranjados, a concha parece tão bonita que as pessoas não resistem em estender a mão para pegá-la. Mal sabem, porém, que estão se aproximando de algo terrivelmente perigoso.

Pois é, embora esta estranha concha pareça fascinante por sua beleza, não se engane. Assim como uma rosa tem seus espinhos, ela também possui um mecanismo de defesa parecido. Inclusive, não pense que você sentirá apenas a dor de uma pequena e momentânea picada. As eventuais consequências são muito mais graves do que isso.

Tanto que algumas das pessoas que entraram em contato com seres desse tipo morreram. De qualquer forma, você pode até achar que coisas letais possuem uma aparência assustadora, contudo, este não é o caso aqui. Afinal, como tais conchas apresentam uma bonita variedade de cores e desenhos, estas pequenas e traiçoeiras criaturas não nos advertem do quão fatais são.

Aliás, o formato delas em espiral é bem normal, sendo classificadas como conchas cônicas. Sua coloração geral também é bastante comum ao exibir tons de branco, rosa ou creme. Desse modo, a questão é: por que estas conchas são tão procuradas?

Ao que parece, as pessoas buscam por essas conchas devido aos desenhos gravados, os quais se configuram em impressionantes padrões com manchas em vermelho ou marrom escuro. Além disso, elas são muito fotogênicas e ficam lindas no Instagram. Entretanto, se você notar - em qualquer praia - uma fascinante concha que combine com essa descrição, tenha cuidado.

A verdade é que qualquer concha já foi um lar para algum ser - ou continua sendo, em certos casos, e é exatamente isso que torna as coisas tão perigosas. Todavia, você pode ficar surpreso ao saber a identidade desta letal criatura. Designado de Conus geographus, este é o famoso e pequeno molusco do gênero Conus que tem suas espécies conhecidas como caracóis-do-cone.

Pois é, um caracol! No entanto, este molusco é bem diferente daqueles caramujos que você encontra em seu quintal depois de uma tempestade. Um patologista, L. C. D. Hermitte, descobriu isso em 1932 ao tratar um paciente paralisado durante nove horas seguidas por um caracol-do-cone.

Evidentemente, Hermitte ficou surpreso ao saber que aquela minúscula criatura poderia derrubar um homem adulto por tanto tempo. Assim, ele iniciou os estudos sobre tal molusco ao encontrar um espécime para dissecar. Desde então, descobrimos muito sobre a vida dos Conus geographus, começando com sua dieta predatória.

Na maioria das vezes, os caracóis-do-cone contentam-se em mastigar coisas que até mesmo os moluscos mais lentos podem capturar. Logo, isto significa que minhocas e outros gastrópodes estão no menu. Porém, por desejarem algo mais rápido de ser adquirido, tiveram que se adaptar. Inclusive, é aí que esta criatura fica interessante, como observou o biólogo marinho Alan J. Kohn.

Em 1956, o Dr. Kohn viu um dos membros da espécie Conus striatus matar um peixe. Bem, apesar de parecer que a cadeia alimentar virou de cabeça para baixo, isto é real. Estes moluscos são, de fato, excelentes pescadores.

Ainda que os caracóis sejam conhecidos no geral por sua lentidão, os Conus geographus deram um jeito nisso ao usarem de sua anatomia para capturar suas presas. Tudo fica bem mais claro, aliás, se analisarmos estes poderosos moluscos.

Dessa maneira, vamos começar falando sobre os olhos desses caracóis, que são, depois da concha, um de seus aspectos de maior destaque. Contudo, tal característica não é tão relevante ao Conus geographus, já que ele possui um órgão sensorial alternativo chamado sifão. Assim, esta espécie utiliza do sifão não só para respirar, como também para detectar uma possível presa.

Todavia, quando esta criatura encontra alimento, como ela come? Então, os caracóis mais comuns usam algo chamado rádula - quase semelhante a uma boca. Afinal, todos moluscos possuem uma mandíbula repleta de dentes, os quais são, felizmente, bem pequenos. De toda forma, mesmo que os caracóis não consigam morder um ser humano, suas rádulas cortam com facilidade qualquer iguaria encontrada. A propósito, eles não são nada enjoados.

Um faminto caracol raspará vegetação e excrementos com sua rádula - isto, claro, quando não encontrar outros moluscos. Pois é, eles realmente se alimentam de outros de sua própria classe! Inclusive, embora seja um pouco diferente, os Conus geographus também têm rádulas. Para começar, eles possuem dentes cobertos por uma substância chamada quitina. Caso você não saiba, este elemento compõe o resistente exoesqueleto dos besouros - e, por sinal, muito mais.

Mas fica pior! A mandíbula de um Conus geographus tem uma arma secreta tão eficaz que este molusco até possui poucos predadores na natureza. Portanto, mesmo que outras criaturas decidam caçá-lo, elas precisarão primeiro passar por sua defensiva concha.

Os caranguejos, por exemplo, podem servir como frutos do mar para os humanos, entretanto, são predadores em seu habitat natural. Desse modo, o caranguejo-ferradura e o caranguejo-eremita dispõem de duras conchas, bem como o Conus geographus, sendo a quitina capaz de proteger os crustáceos até mesmo do que um perigoso molusco poderia lançar sobre eles. De todo jeito, os caracóis-do-cone têm um mortal jogo ofensivo.

Se você já foi beliscado por um caranguejo, você sabe o quanto dói. Até porque as garras deste crustáceo não são feitas só para serem exibidas, uma vez que elas podem - e vão - romper a concha de um caracol. Aliás, quando isso acontecer, será o fim para a presa. Porém, o Conus geographus consegue, felizmente, revidar.

A verdade é que os Conus geographus não possuem apenas suas conchas para protegê-los dos caranguejos. Eles também têm uma espécie de trégua com os pólipos de coral, os quais são semelhantes a flores. Estas pétalas nos pólipos são, na realidade, venenosos tentáculos que agarram suas presas e mantém algumas criaturas marinhas à distância - o que não é o caso deste fatal caracol-do-cone, visto que vive ali.

Logo, há um sofisticado nome para este vínculo. Basicamente, os caracóis e os pólipos de coral dispõem de uma relação ecológica interespecífica harmônica, denominada de comensalismo, na qual uma espécie obtém benefícios de outra sem causar danos ou dar nada em troca. Assim, o Conus geographus recebe abrigo dos pólipos sem incomodar o coral. Apesar  desta relação aparentar ser um pouco egoísta, parece funcionar bem para ambos.

No entanto, nada disso explica como estes caracóis pescam ou a razão de serem perigosos. Dessa maneira, para esclarecer a questão, precisamos retornar ao assunto da rádula. Você se lembra que foi dito que a mandíbula do Conus geographus funciona de forma diferente das dos caracóis comuns? Pois é, isto é um eufemismo.

Afinal, este caracol-do-cone utiliza de um veneno muito poderoso para caçar suas presas. Portanto, esta substância apresenta-se tão potente que o Conus geographus recebeu o apelido de "cigarro". O motivo? Bem, porque é o tempo de fumar um único cigarro antes da vítima ir a óbito.

Ainda que tal informação tenha sido um pouco exagerada, ela não é considerada incorreta. Isto porque o veneno do caracol é um fatal coquetel com centenas de distintos compostos em seu interior. A propósito, o mais estranho deles é um tipo de insulina que nós, humanos, já produzimos em nossos próprios corpos. Então, a dúvida é: por que esta substância é tão letal quando aplicada por um Conus geographus?

Em 2015, o professor Baldomero Olivera, da Universidade de Utah, contou ao The Guardian sobre este específico tipo de hormônio. Ele disse: "Este é um tipo único de insulina. É [de ação] mais curta, [imediata], do que qualquer insulina que tenha sido descrita em outro animal. Nós a encontramos em grandes quantidades no veneno [do Conus geographus]".

E aí, quer saber como a insulina pode ser mortal? A verdade é que ela age de modo muito semelhante nos peixes e nos humanos: baixando os níveis de açúcar no sangue. Logo, isto retarda, na hora, as respostas físicas de suas presas a fim de torná-las alvos mais fáceis. Em seguida, o sistema nervoso já reage à substância, conforme Hermitte notou inicialmente em seu paciente paralisado. Assim, tanto os peixes quanto os humanos estão suscetíveis à instantânea imobilização devido ao veneno deste molusco.

Contudo, é evidente que estes caracóis-do-cone não atacam violentamente os seres humanos. A única maneira de se machucar, portanto, é pegando uma concha de Conus geographus. Inclusive, não há nenhum antídoto conhecido para seu veneno, sendo isto algo que a presa deste molusco descobre da forma mais difícil.

Basicamente, o Conus geographus captura suas vítimas usando métodos que os especialistas chamam de "gancho" e "lança". Mas como que funciona cada um? Bem, os pesquisadores Jeffrey S. Cooper, Stephen Hendriksen e Sasha Kapil sabem bastante acerca disto, como elucidaram em um artigo publicado em 2020.

Neste trabalho, intitulado de "Cone Snail Toxicity", Cooper, Hendriksen e Kapil revelaram: "As espécies que utilizam o método de gancho fazem uso de um alongado apêndice chamado probóscide. Dentro da probóscide há dentes ou arpões revestidos com o específico veneno da espécie. A propósito, esta probóscide é capaz de se estender pela concha toda e ir além disso".

Já o segundo método de caça, conforme os especialistas informaram, "também envolve um arpão coberto de veneno lançado de dentro da boca, [da rádula]". Eles acrescentaram: "Uma vez que um arpão é disparado, ele é descartado. Um caracol-do-cone tem, a qualquer momento, cerca de 20 arpões em vários estágios de crescimento e desenvolvimento". Pois é, estes moluscos estão literalmente pescando suas presas.

Aliás, embora os Conus geographus não vençam nenhuma corrida, eles podem movimentar-se rapidamente quando necessário. Tal descoberta foi feita pelos cientistas da Occidental College, em Los Angeles. Durante esta investigação, a equipe até mesmo constatou que os caracóis-do-cone possuem um dos ataques mais rápidos de todas as criaturas do planeta. Uma loucura, né?

O professor Emanuel Azizi e seus colegas gravaram vídeos com um equipamento de alta tecnologia para observar uma espécie de caracol-do-cone denominada de Conus catus. Foi revelado, então, que esse tipo específico de arpão atingiu velocidades comparáveis a de uma bala! Entretanto, a dúvida é: por que o ataque é tão rápido se a presa é mais lenta? Isto é algo que Azizi e seus companheiros esperam desvendar.

Em um comunicado à imprensa publicado no Science Daily em 2019, Azizi comentou: "Ao avaliar a anatomia e os limites funcionais dessas estruturas [encontradas em um caracol-do-cone], esperamos descobrir como elas evoluem e como seu modelo pode inspirar novas formas aos robôs ou dispositivos médicos". Todavia, a velocidade do caracol-do-cone não é a única característica que tem potencial para revolucionar a medicina.

Afinal, há o modo pelo qual tais moluscos regulam seu veneno. Markus Muttenthaler, um bioquímico da Universidade de Viena, explicou sobre isso em uma declaração de 2019: "Os caracóis-do-cone podem controlar a composição de seu veneno, dependendo se estão caçando ou se defendendo". Logo, em casos de defesa, parece que o caracol utiliza toxinas para infligir dor. Enfim, isto pode nos ensinar muito sobre como nosso próprio corpo reage a certos compostos.

Muttenthaler revelou como este processo funciona, relatando: "As conotoxinas revolucionaram as pesquisas acerca da dor... Sua extraordinária potência e seletividade nos permitem estudar cada subtipo dos canais iônicos, algo que antes não era possível". Inclusive, a variedade de substâncias que compõem o veneno dos caracóis-do-cone pode ser primordial para inestimáveis avanços científicos.

Para começar, estudos apontam que certos componentes do veneno são superiores ao efeito da morfina como analgésico em até 10 mil vezes. Mas, pelo que sabemos, apesar da morfina ser viciante, ninguém nunca quis outra dose da toxina de um caracol. Além do mais, tal substancia, de fato, não tem nenhum dos outros efeitos colaterais associados à morfina, já existindo um analgésico em uso produzido com conotoxina atualmente.

Pois é, a agência federal estadunidense, designada de United States Food and Drug Administration, aprovou um medicamento chamado Prialt para o tratamento de dor extrema. Muttenthaler explicou: "Ele é aplicado diretamente na medula espinhal, onde bloqueia justamente um subtipo do canal iônico [o qual é] transmissor de dor. É mil vezes mais potente que a morfina e não desencadeia sintomas de dependência [química], o que é um grande problema com as drogas opioides".

Muttenthaler chegou a acrescentar que os pesquisadores estão tentando agora atingir as terminações nervosas em outras partes do corpo. "Isto nos permitiria interceptar o sinal da dor antes que ele fosse transmitido para o sistema nervoso central", contou o bioquímico. De qualquer maneira, não só Muttenthaler, como outros cientistas também acreditam que as conotoxinas podem ser um grande avanço para a medicina

Tanto que uma sociedade científica do Reino Unido, intitulada de Linnean Society of London, chegou a elogiar a mortal arma do caracol-do-cone. Em um artigo de 2017 publicado no site desse grupo, foi declarado: "Este eficaz analgésico pode ser utilizado para tratar dores crônicas encontradas em pacientes que sofrem de câncer, artrite, diabetes e AIDS". Assim, este coquetel de veneno poderia até mesmo ajudar no controle de outras doenças.

A substância conantokin G, a propósito, é considerada promissora para o tratamento da epilepsia. Também, outros compostos são vistos como propícios na luta contra alguns distúrbios cerebrais, como Alzheimer e Parkinson. A verdade é que há tantas substâncias químicas dentro da toxina do Conus geographus que os cientistas só observaram até o momento uma pequena parte das funcionalidades desse veneno.

Logo, os caracóis-do-cone podem ser bem importantes para o nosso futuro. Aliás, os especialistas reconhecem isto, uma vez que, em 2008, eles até emitiram um pedido aos governos dos países de climas tropicais a fim de que se atentassem em relação à proteção dos recifes de coral e ao controle do comércio de conchas. Antes disso, no entanto, Eric Chivian, da Universidade de Harvard, já havia feito uma campanha em nome dos Conus geographus.

Em um artigo publicado na revista Science de 2003, Chivian discorreu sobre isso: "Perder estas espécies seria um autodestrutivo e sem igual ato de loucura. Os tropicais caracóis-do-cone podem conter a maior e mais clinicamente importante farmacopeia de todos [os grupos de animais] na natureza". Esperamos, então, que os Conus geographus continuem a se desenvolver - porém, nem pense em se aproximar destas conchas, combinado?